Estava uma manhã perfeita para uma conversa com um dos amores do Fashion Heroines. O mar que ele tanto adora estava um espelho e a praia foi o fundo mais-que-perfeito da nossa viagem até ao atelier, em Cascais, de um dos nomes incontornáveis da moda portuguesa.
José António Tenente recebeu-nos com a simpatia e a disponibilidade que lhe são naturais ( ele disse-nos que era timido mas nós não demos por nada), foram duas "curtas" horas de interessante conversa que nos levou ao universo do designer, recordações de infância (poucas), a sua trajectória profissional e pessoal, conceitos de vida, inspirações e aspirações... entre muitos outros temas.
Adaptada do "Proust Questionnaire" (adaptação nossa) aqui fica a entrevista a José António Tenente, não mais do que a polpa da frutuosa conversa com a editora do Fashion Heroines.
FASHION HEROINES: Qual é o seu actual “State of mind”?
JOSÉ ANTÓNIO TENENTE: Neste momento algum cansaço, mas, positivo sempre.
FH: Onde e quando é que se sente feliz?
JAT: Na praia.
FH: Qual o seu maior medo?
JAT: Não é uma coisa que me persiga, nem vivo obcecado com isso, mas, perder faculdades, nomeadamente, mentais é algo que me aflige.
FH: O que é que o faz rir?
JAT: Muita coisa. Gosto imenso de rir e de me divertir. A publicidade faz-me rir e algumas séries de humor também. Assim como conversas entre amigos. Não é muito difícil fazer-me rir.
FH: Qual a figura histórica com que mais se identifica?
JAT: Essa é difícil! Pode haver determinadas figuras históricas que pontualmente podemos admirar, mas, não me identifico particularmente com nenhuma.
FH: Qual considera ser a melhor invenção de todos os tempos?
JAT: É difícil resistir a dizer que foi a internet. “Googlar” faz parte das nossas rotinas diárias.
FH: Qual o defeito que mais detesta nos outros?
JAT: Não suporto a má educação.
FH: Qual é a sua maior extravagância?
JAT: Não fazer fretes.
FH: Qual a ocasião em que costuma mentir?
JAT: Sem pretensões não costumo mentir. Talvez algumas mentiras inofensivas que se inventam quando nos atrasamos a dar uma resposta e temos que nos justificar.
FH: Se pudesse mudar algo em si o que seria?
JAT: Em termos físicos muita coisa, e sem ter que ir ao ginásio (risos). Das minhas características mais complicadas já fui mudando bastante e que é a minha timidez. Foi das coisas boas que esta profissão me trouxe. Ela obrigou-me a adaptar-me a um certo registo de exposição e tive que aprender a lidar com isso. Mas, ainda hoje erradicava completamente esse lado de mim.
FH: Onde é que gostaria de viver?
JAT: No registo urbano gosto muito de Lisboa, mas, há outra cidade onde não me importava nada de viver que é Paris, e não é por causa da moda. Noutro registo viveria perfeitamente na Costa Alentejana, ao pé da praia.
FH: Qual a qualidade que mais o inspira numa mulher?
JAT: Nas pessoas em geral a verdade, honestidade, justeza, esses princípios muito básicos que têm a ver com a educação. A um nível mais exterior algo que passa pela elegância natural que não seja muito construída nem de capa de revista que não me inspira nada.
FH: Qual é o carro da sua vida?
JAT: Não tenho carta sequer (risos). Mas para mim é o Citroën DS “boca-de-sapo”. É lindo!
FH: Qual considera ser o seu grande feito na vida? Aquele de que mais se orgulha?
JAT: Orgulho-me de ter construído este percurso num país muito adverso para as actividades criativas, sem tradição no design de moda, e especialmente, se recuarmos aos em meados dos anos 80 quando comecei, com a Ana Salazar como único exemplo na moda de autor. Mesmo a um nível mais pessoal foi um feito ter chegado até aqui, já que quando comecei nem me apercebia bem do que era ser designer de moda e da exposição pública que isso iria acarretar, senão talvez nem me tivesse atrevido. Considerava que o meu trabalho bastava, mas, com o passar dos anos percebi que tinha que alterar essa atitude e que era necessário divulgá-lo, aparecer, dar entrevistas, promover os produtos. Devido à minha timidez foi uma luta difícil e no início da carreira, não poucas vezes passei por mal-educado e arrogante. Confesso que não penso muito nisto, e talvez nunca tivesse abordado esta questão do ‘grande feito’, mas na verdade agora que me obrigou a fazê-lo (risos), acho mesmo que foi uma vitória pessoal ter aprendido a lidar com a exposição pública com naturalidade.
FH: Qual é o maior tesouro que possui?
JAT: Os meus princípios.
FH: O que é para si a mais profunda miséria?
JAT: Excluindo o plano material no qual a miséria não devia obviamente existir, penso que estar completamente perdido, alheado de uma direcção, de não saber o que se fazer com a vida que se tem, de se deixar enredar em dependências, pode na verdade conduzir a um estado de ‘miséria’. O que é uma pena, pois, há pessoas com um potencial incrível que se perdem.
FH: Quais são os seus heróis na vida real?
JAT: O cidadão comum. Pessoas que ganham pouco, que têm vidas difíceis, que se levantam às cinco da manhã, atravessam a cidade para ir trabalhar, têm não sei quantos filhos e ainda assim conseguem ser felizes.
FH: E na banda desenhada qual é o seu herói?
JAT: Astérix
FH: Uma figura que o inspire?
JAT: Tantas... Lembro-me de a nível do meu trabalho ter começado várias colecções a partir de personagens históricos, compositores… O Inverno 06.07 trabalhamos um universo de imagens ligadas a Joana d’Arc. No Veão 2002 inspiramo-nos no romance epistolar de Choderlos de Laclos, “Ligações Perigosas”, (1782), nomeadamente, no triângulo amoroso entre a Marquesa de Merteuil , Visconde de Valmont e Madame de Tourvel . São apenas alguns exemplos, entre tantos outros, de personagens que inspiraram directamente o meu trabalho.
FH: O que é que mais o desgosta na cultura contemporânea?
JAT: O consumo fácil, a sua rapidez e voracidade que dá origem a que não se desfrute verdadeiramente o que os outros fazem. E também a guerra das audiências que tem a ver com esse consumo instantâneo. Tudo é medido nessa lógica, inclusive o sucesso. Há pessoas/projectos que podem ter muito valor e muitas vezes não lhes é dado sequer oportunidade de se desenvolverem porque é tudo demasiado rápido. Outro aspecto muito negativo é a tirania do mito da eterna juventude, que é ainda mais penoso para as mulheres. Aliás, o mundo é particularmente cruel para as mulheres porque as obriga a estarem numa constante competição, porque têm que ser muito boas em tudo, na profissão, como mães, donas de casa e ainda parecer sempre belas, sendo que a beleza está hoje sempre associada à juventude. Mesmo os homens são afectados por esses padrões de beleza. A eterna juventude é uma das desgraças do mundo moderno, uma praga que nos rogaram. (risos)
FH: Qual o melhor conselho que recebeu até hoje?
JAT: Todos os que me fizeram acreditar que estava no bom caminho e me deram força para continuar. Relativamente aquela luta pessoal contra a timidez e introspecção, os conselhos que os meus pais me deram para as ultrapassar e não passar por arrogante e mal educado. Parece uma ‘ninharia’ mas na verdade só quem me conhece desde adolescente e jovem pode avaliar a dimensão. Nem sempre os conselhos são bem aceites nem eficazes, mas o tempo… ajuda a ver mais claro.
FH: Qual o maior risco que cometeu na vida?
JAT: A profissão que escolhi.
FH: E o seu maior arrependimento?
JAT: A ideia de que não nos devemos arrepender de nada e que tudo faz parte de uma aprendizagem, é pura ficção. Há muita coisa que não precisava de ter feito se estivesse na posse dos dados todos. A nível profissional por exemplo, desenvolvemos alguns projectos, nos quais depositámos as maiores expectativas e que depois se revelaram muito negativos. É claro que passaria perfeitamente sem essas experiências.
FH: Que livro, poema, música ou quadro o inspiraram ou lhe mudaram a sua perspectiva de vida?
JAT: Não sei se mudaram a minha perspectiva de vida, porque isso me parece demasiado forte, mas, há muita coisa de que gosto muito e me inspira, nomeadamente, na pintura, do renascimento aos finais do séc. XIX. Sou muito pouco séc. XX e há pouca coisa contemporânea que goste. Gosto muito dos pintores italianos do Renascimento, da pintura Holandesa do séc. XVII, da pintura inglesa do séc XVIII, pintura simbolista dos finais do séc. XIX. Na música é ainda mais difícil escolher, mas, apesar de adorar Vivaldi, Händel e quase todos os barrocos italianos, tenho que referir Bach como o que se aproxima mais dessa capacidade de mudar a vida de alguém. É de facto enorme e faz-nos sentir mesmo muito pequeninos.
FH: Qual a sua memória de infância mais antiga?
JAT: Tenho uma péssima memória de infância, e a que tenho confunde-se muito com o que me contaram ou com a memória a partir de fotografia. Tenho por exemplo a noção perfeita do meu quarto ser verde-garrafa, mas, aí já devia ter sete anos. E lembro-me de ter sempre um papel muito activo na escolha do que vestir. Lembro-me de ter para aí 8 anos e querer umas calças de bombazina vermelhas, com as quais fui brincar para o quintal e as rasguei logo no dia em que as vesti. E lembro-me de ir regar o jardim de calças brancas… essas pequenas coisas (risos).
FH: Qual a atitude mais romântica que teve até hoje?
JAT: São tantas… (risos). No meu trabalho é muito fácil detectar muitas colecções que têm uma perspectiva muito romântica. A do Verão 2002, a tal inspirada nas ‘Ligações Perigosas’ que referi há pouco é um dos melhores exemplos desse imaginário profusamente romântico. As peças tinham muitos bordados com mensagens de amor, medalhões com imagens das amadas ou dos amados, cartinhas a saírem dos bolsos e dos punhos. É na verdade uma perspectiva muito romântica que continuo a ter no meu trabalho, às vezes até nas músicas que escolho para os desfiles. O mais recente e flagrante exemplo é o primeiro perfume JAT, “Amor Perfeito”.
FH: Se pudesse mudar uma só coisa no mundo o que seria?
JAT: Sei que isto vai soar totalmente a lugar comum, mas a uma pergunta dessas é incontornável responder que acabaria com a fome e a miséria. A informação actual dá-nos a possibilidade de vermos um mundo cada vez mais desigual. É chocante o nível a que chegam determinados cachets que dariam para vacinar as crianças de um continente inteiro. Independentemente do valor que as pessoas têm acho imoral que se ganhem quantias tais que assegurariam a sobrevivência de milhares de pessoas. Mas também aqui estou a ter uma perspectiva romântica da situação, claro. No fundo tudo se resume à existência ou não, de vontade política para acabar com situações muito degradantes que só nos envergonham a todos. E nem sempre é fácil pensar deste modo e continuar a exercer a profissão que tenho e centrado na minha vida e nos meus problemas..
FH: Tem um lema de vida?
JAT: A nível do meu microcosmo é viver cada vez mais com o mínimo de stress possível e dar importância às coisas que são realmente importantes.
FH: Onde quer estar daqui a 20 anos?
JAT: Daqui a 20 anos espero estar reformado com casa no Alentejo à beira-mar. Dava-me um certo jeito gozar a minha reforma com todas as minhas faculdades (risos).
Texto: Paula Lamares
Fotografia: Joao Lamares
Visite também: http://www.joseantoniotenente.com/
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